terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Herança. A culpa é dos mais velhos.

Hoje fiz o que sempre gostei de fazer. A caminho de casa parei num café que costumo frequentar, sentei na esplanada bebendo o meu sumo e observando. Geralmente observo o movimento da rua e perco-me nos meus pensamentos. Hoje, foi daqueles dias em que nem dava para me perder nos meus pensamentos pois entre duas mesas, se debatia algo que me chamou a atenção.
Numa mesa estava o sujeito A, um mais velho que se identificou como sendo angolano nascido no Sambinzanga e com 59 anos. Na mesa ao lado estavam os sujeitos B e C, mais novos que o sujeito A.
A conversa entre eles captou a minha atenção quando oiço os sujeitos B e C a dizerem que a culpa do estado das coisas ser dos mais velhos que lhes passaram essa herança de uma Angola livre mas não lhes ensinaram nada. Que por culpa da guerra estiveram no Bié e fizeram lá 2 filhos, estiveram em Malange fizeram mais 2 e pelo caminho que tomaram deixaram filho em cada província que a guerra lhes levou.
 O sujeito A disse que não era assim, que antes eles não deitavam o lixo para a rua, que se juntavam todos e o bairro era limpo, que foram eles os mais novos que deixaram o estado das coisas chegar ao ponto que chegaram, que se limitam a fazer filhos e não ensinam que o lixo não deve ser deitado no meio da rua junto das casas. Na opinião dos sujeitos B e C, não era assim, os mais velhos não lhes ensinaram nada, não ensinaram como fazer para evitar ter tantos filhos, não lhes ensinaram como tratar do lixo, não lhes deixaram herança nenhuma senão um país livre mas sem que lhes transmitissem ensinamentos.
Mentalmente pensei para comigo que isto é o caso mais antigo da história (aliás o sujeito B identificou-se como um teólogo e historiador) a culpa é sempre dos pais. Tão mais fácil culpar os que estavam atrás ou que estão ou que ficaram atrás. Tão mais fácil culpar quem lhes deu a terra para cultivar. Ok. Sim deu a terra. Mas porque não deixou também as sementes para cultivar? Porque não deixou a terra mexida, fértil para apenas semear? Vamos mais atrás na história porque os culpados não são os que tem 59 ou 60 ou 70 anos. Vamos mais atrás onde o colono (com que não me identifico porque não o fui, conheco alguns que muito fizeram aqui pelo país Angola e também conheci quem nada fez) não devia ter estado em Angola, Vamos ainda mais atrás procurar um culpado. Que tal D. Afonso Henriques que não tinha nada que criar o reino de Portugal. Ou ainda mais atrás a Deus que não tinha que ter colocado no planeta Terra Adão e depois dar-lhe uma Eva (acreditando no que a igreja católica diz).
Diziam os sujeitos B e C que Deus fez Adão e Eva e os colocou na terra como seres racionais. Somos mesmo? Somos mesmo racionais? Existem seres chamados irracionais que defendem mais os da sua espécie que nós racionais. Existem irracionais que acasalam sempre com a mesma fêmea ou macho para toda a vida. Existem seres irracionais que respeitam o seu habitat.
Os irracionais somos mesmo nós! Que não nos respeitamos, que não respeitamos a responsabilidade que temos para connosco mesmo, para com os nossos semelhantes, para com os outros seres, para com o nosso meio ambiente, para com o nosso planeta.
Irracionais são todos os que optam pelo caminho mais fácil como deitar o lixo para o meio da rua ou deixá-lo a apodrecer junto à parede de uma escola em vez andar um pouco até ao contentor mais próximo ou de procurar a melhor forma de se desfazer do mesmo ou de criar o menos lixo possivel.
Irracionais somos todos nós que acasalamos sem pensar que do acasalamento resultam pequenos seres que têm direito a comida, a roupa a educação a estudos quando isso pode ser evitado com os meios que existem (e não me venham falar que os preservativos ou as pilulas só existem há poucos anos pois já o meu avô sabia como fazer).
Irracionais somos todos nós que não nos juntamos e resolvemos os pequenos problemas das nossas ruas ou dos nossos bairros.
Irracionais somos todos nós racionais que não sabemos nem queremos conhecer o verdadeiro significado de que a união pode trazer frutos positivos para todos nós.

Lutas emocionais

Este texto não é meu, é da autoria de uma médica de  uma associação de apoio emocional de jovens e adultos que combatem lutas internas devido às mais diversas situações, mas encontro nele tantas coisas que penso, que vejo e sinto que tinha que o partilhar.

Ficamos adultos na ideia de que ser forte é resistir às tempestades, sem sequer ficarmos doentes. Ensinamos que chorar tem um tempo e que “a vida é mesmo assim”. Uns vivem dentro de um fado maior e outros, sabe-se lá porquê, descobrem uma sorte mais fácil.
Mas a verdade é maior que isso: maior do que nos ensinam os adultos com boas intenções. Os mesmo adultos que sofrem disfarçadamente e que encontram estratégias, bem complexas!, para continuar além das dores e das perdas.
Talvez seja esse mesmo o problema: continuar além. Ninguém nos diz que o truque (a haver!) pode ser continuar por dentro da dor e do que aconteceu. Descobri-la de todas as maneiras: olhá-la, falar dela como parte de nós, descobrir o mais fundo do nosso sentir, descobrir o que a vida nos ensinou a pensar e que afinal guia o nosso comportamento mesmo quando já não é útil, descobrir que também dói o que ficou por viver e por dizer.
Quando vivemos algo impactante, difícil de digerir, isso guarda-se na nossa história. Para sempre. E a nossa história tem um corpo, o nosso, um guião de ideias e emoções que podem ficar muito mal arrumadas e trazer a poeira de novo. Mesmo quando pensamos já ter tudo arrumado dentro das nossas gavetas (e nós somos bons a ter gavetas e baús!).
A quantidade de pequenas e grandes perdas que vivemos é imensa: separações, mudanças de escola e trabalho, perda de amigos, desilusões, perda de expectativas, acidentes, ameaças ao nosso bem-estar e integridade, divórcios, doenças, mortes. Pode ajudar pensar numa corda, onde todos os acontecimentos vão ficando registados. Essa corda vai ficando com nós: a cada acontecimento doloroso (seja qual for) a corda altera-se. Parece difícil desfazer todos os nós e a corda, por muito que queira, já vai sentindo que é difícil cumprir a sua função. Todos esses nós começam a trazer custos.
A experiência de perda é, sem dúvida, omnipresente e a sua dor divide-se em manifestações várias: somáticas, emocionais, cognitivas e comportamentais…. A dor tem três casas onde mora: dentro de nós (intrapessoal), no que fica na relação com os outros que estão longe ou perto (interpessoal) e no que passamos a ler do mundo e do seu sentido (existencial). A dor é difícil de arrumar, teima em aparecer de repente e empurramo-la escondendo a sua existência. Mas quanto mais a escondemos, mais ela se pode intrometer no nosso dia-a-dia. A dor ramifica-se pela nossa vida: um ano depois, dez ou vinte. Quando voltamos a perder alguém, quando sofremos um assalto, quando recebemos más notícias… tudo parece incontrolável e nos enfrenta na desarrumação do passado. Parece tão difícil e cansativo desfazer os nós e tão fácil e rápido reactivá-los.
Não, não somos nós que estamos a fazer alguma coisa mal. Só que o que fazemos (sozinhos) pode não ser suficiente. Não gostamos de nenhuma das palavras que se dizem: recuperar, curar, superar, aceitar, seguir, esquecer… Nada serve. E nós sabemos. Podemos recuperar casas, curar algumas dores no corpo (e bem medicadas!), superar desafios profissionais. Seguir, pois, seja lá isso o que for. Aceitar? Com o pensamento talvez. Dar significados (frases feitas!) e achar que isso basta. Integrar… isso sim. Desejamos integrar tudo: os nós, as dores, as memórias, o que aconteceu e não controlámos, o que ficou por acontecer. Integrar é passar por dentro do que vivemos. Passar por isso num espaço seguro, com alguém especializado, que nos vai ensinar sobre isso e ensinar também os que nos amam.
Integrar é recordar e dar voz, falar do que se viveu incluindo-se na história, sem ser só descrever. Integrar é conseguir olhar lá atrás sem que o corpo fique lá preso e nos dê sinais de falso alarme como se tudo acontecesse de novo. Integrar é apresentar os que morreram aos que estão vivos, sem que isso seja desfazer-se. Integrar é amar de novo e construir nova família sem que a anterior tenha de desaparecer. Integrar é cuidar de todas as partes de nós (as que se culpam, as que temem, as que se alegram, as que se entristecem) sem culpa. Integrar é parar para chorar, para pedir ajuda ou só para ficar em silêncio sem que isso seja desesperante. Integrar não é evitar, para ser suportável, nem é sofrer todos os dias como se a identidade fosse só a dor.
Nós podemos operar alguém, deixar a soro, engessar um braço partido ou transplantar órgãos. Mas não conseguimos fazer nada disso na dor psicológica. Nós só podemos ser corajosos o suficiente para nos conhecermos melhor. 

Pedaço de mau caminho

Na gíria popular, para designarmos alguém que corresponde à perfeição do que para nós individualmente constitui um ideal físico, utilizamos o termo: "pedaço de mau caminho". Assim como se tornou gíria popular em alusão a um anuncio comercial da Coca-Cola que utilizava um modelo masculino em tronco nu a lavar janelas de um escritório: hora da Coca-Cola Light.
Não vim aqui falarmos de ideais físicos masculinos ou femininos. Vim falar sim de Angola.
Angola é sem sombra de dúvida um "pedaço de mau caminho", infelizmente em muitas situações o pedaço de mau caminho é mesmo literalmente, mas não deixa de nos marcar a alma e o coração. Não existem fotografias que expressem a vastidão e a beleza desta terra. O pôr do sol nesta terra nunca tem a mesma cor. Podemos fotografar diariamente o por do sol e as cores são sempre diferentes e em todos os dias ficamos de boca aberta, pasmo com tanta beleza.As fotografias mostram apenas pequenos pedaços de uma imensa vastidão que nos toma conta da alma. As melhores imagens essas ficam sem duvida registadas no nosso coração. Viajamos quilómetros e quilómetros em estradas que em muitos casos são autênticas calamidades para o carro com o perfil do horizonte traçado de montanhas que se nos afiguram longínquas. De tempos a tempos damos conta de pequenas aldeias com meia duzia de cabanas escondidas no meio do arvoredo ou mesmo no meio da terra.
Ocasionalmente encontramos na beira da estrada peqnas bancadas toscas vendendo uns saquinhos de feijão ou fuba ou garrafa de maruvo. Indagamos-nos interiormente como essas pessoas conseguem sobreviver no meio do nada mas do muito quando nem vislumbramos nenhum rio ou riacho. No final da tarde é usual vermos os mais velhos sentados sobre qualquer sombra e as crianças brincando com paus ou pedras.
Nas aldeias mais junto à costa as mulheres e as crianças colocam-se junto à beira da estrada com peixe na mão ou mesmo galinhas esperando que alguém passe e queira comprar. è já nesta altura do dia que nas praias onde os barcos de pesca repousam da faina que não encontramos os homens que entretanto recolheram a casa para descansar ou tratar das redes para um novo dia de pesca.
O engenho e a habilidade das crianças em pegar um pedaço de pau e colocar uma linha e entrarem nas aguas do mar para pescar peixe fascina-me. Positivamente causa-me inveja o que a natureza lhes dá e a forma como a aproveitam. Entram no mar com pau para pesar ou para brincar nas ondas, correm os areais, mergulham, lavam a roupa e seguem as suas vidas. È de causar inveja não haver a responsabilidade de horários, de timings a cumprir. è um viver aproveitando os momentos que se oferecem.
Sei o quanto egoísta pareço falando assim, pois tenho noção das dificuldades porque passam, das necessidades que têm. Uma moeda tem duas faces e este povo, a sua vida é também de duas faces: o desfrute de paisagens de ter o tempo todo do mundo e a dificuldade de ter agua potável, luz, comida e escola para os filhos.
Angola é sem um pedaço de mau caminho que nos encanta. Alguém disse um dia que um caminho pode ter muitas pedras para tropeçarmos. Cabe a todos nós juntar essas pedras e fazer um "castelo".




sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

"Eu sou campeão do mundo da má sorte"

https://www.youtube.com/watch?v=Q6UFJP6Ikjk

"Eu sou campeão do mundo da má sorte
e a minha grande desgraça têm um nome
É o lugar onde os vivos caminham adormecidos
sem sonhos de ordem encantados
que o mundo chama de amores
No eco da graça de uma vergonha gotejada
é uma solidão sem fim à vista"

Passou uma reportagem num canal televisivo português, mais uma sobre Angola. Esta sim considero uma reportagem bem conseguida. Muitas são feitas com repórteres entrevistando crianças não sabendo como falar com uma criança. Outras falam sobre a forma de vida dos expatriados, a sua luxuosa forma de vida, bem longe do que na realidade, nós emigrantes ( e não expatriados) vivemos aqui. Mas não é sobre nós emigrantes que pretendo falar, e sim sobre as crianças de Angola, as crianças de rua. Logo de inicio na reportagem falam o Machado e o Justino, duas crianças que vivem nas ruas de Benguela. Acresce dor ao meu coração ver, e já tenho visto muitas, a cara de uma criança com o peso de vida de uma pessoa de longa idade. Machado e Justino têm dores e têm sonhos. Um quer ser policia, mas um polícia diferente daqueles que lhes enxotam, o outro quer ser médico, para quando estiver no hospital tratar os amigos e as famílias e não lhes cobrar nada. Justino e Machado e os seus companheiros de rua acreditam que as coisas irão mudar, porque Deus é tudo e não é padrasto. A resposta para a pergunta de como é ser criança é viver sem os pais, sem família.
Muitas são as crianças que fogem de casa para fugir aos maus tratos, outras são expulsas de casa acusadas de feitiçaria. Uma lona velha encontrada no lixo, uma caixa, um canto qualquer serve para lhes cobrir do frio da noite. Vivem da caridade de quem lhes dá dinheiro, de engraxar sapatos, de lavar carros. Vivem dos maus tratos de quem se sente incomodado de as ver no seu caminho, ou na insistência de lhes pedirem só 50 para comprar pão.
No tempo da guerra muitas foram as crianças que foram requisitadas e obrigadas pelas diversas forças armadas no país a ir para a guerra. Colocaram-lhes uma arma na mãe e mandaram-nas combater ou servir de escudo às tropas adultas.
Existem ONGs que conseguem ir recolhendo algumas destas crianças de rua, vivendo de donativos de empresas, conseguem garantir com um grande mérito, esforço e dedicação pessoal, um prato de comida, um tecto, roupa e ainda as colocar na escola. Todas as crianças que conseguem ser albergadas nestas ONGs, aprendem um novo conceito de família, em que não é necessário partilhar do mesmo ADN para dividir o pouco que existe para dividir: comida, roupa, material escolar e tarefas.
Continuo a chamar crianças aos que vivem nestas ONGs e às que vivem na rua, quando a sua experiência de vida em termos de provações é tão grande. Para muitas viver na rua é uma questão de sorte. Sorte de chegar ao final do dia sem a policia os ter enxotado, ou os que viram seus carros lavados não as terem maltratado, ou de alguém dar 50 para o pão, ou de recolher no cair da noite sobre um pedaço de lona e haver companheiros mais velhos que os recebem e cuidam de dividir com eles a magra refeição feita ali mesmo no chão de lume.
Felizmente começa-se a ver uma preocupação social particular com este tipo de situação. Vão surgindo doações particulares, mas são insuficientes. È preciso mais e melhor. Muito mais. è preciso que todos nós nos consciencializemos de que temos um papel, uma responsabilidade social com este problema, que não é só de Angola mas do mundo. È preciso que todos nós nos unamos no esforço de os Machados e Justinos deste mundo possam saber e ser crianças.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Ser mãe. Ser avó.

Se já tive tarefas na vida que foram difíceis, foi ser mãe. Independentemente de dizer que nós mulheres temos um relógio biológico que nos desperta para a ansiedade de ser mãe, o que é certo é que a ansiedade e o que vivemos são coisas completamente diferentes. Para ser mãe não se tira curso, nem diploma e mesmo que tenhamos tido uma super mãe, vamos querer fazer ainda melhor com os nossos próprios filhos. Aprendemos a ser mãe ali mesmo "com a mão na massa", vamos lidando e superando, umas vezes sim e outras nem por isso, com esta dificil missão de preparar um ser para a vida. Mais difícil é esta missão quando os valores de hoje, neste mundo em constante mudança, não é o mesmo de amanhã. Mais difícil ainda quando pensamos ter realizado o melhor e, quando os nossos filhos se tornam adultos viram os nossos juízes, opinando sobre a forma como deveriam ter sido educados. E depois além de mães, tornamos-nos avós. E por muito que digam que ser avó é ter a oportunidade de ser mãe outra vez, como em boa consciência podemos ser boas avós se, fomos julgadas quando éramos apenas mães? Depois deste julgamento estamos sempre a tremer pensando se estaremos a fazer um bom trabalho como avós. Li há pouco tempo um estudo que diz que as avós maternas são responsáveis pela maior parte de carga genéticas nas crianças. Segundo esse mesmo estudo, nas netas essa carga genética poderá ser a de problemas de saúde ou de tiques Essa parte preocupa-me lembrando-me que posso ficar marreca como a minha avó materna, mas mais ainda por pensar que a minha neta poderá herdar isso de mim. Aos netos a avó materna transmite, mesmo que com pouco convivência, vivências emocionais, o que me preocupa se penso nas minhas vivências emocionais negativas. Esse mesmo estudo se por um lado desvaloriza a carga genética das avós por sua vez diz que transmitida pelos homens embora inferior também tem mais peso na determinação de transmissão de doenças hereditárias mais complicadas como a diabetes 2 ou a esquizofrenia.
Pesando isto tudo, se tem momentos na minha vida em que penso que como mãe poderia ter agido de outra forma, fico ainda mais preocupada ao saber que mesmo sem querer, sou ou serei culpada de algo que não queria ser.
A tarefa de ser mãe, se já por si é, amor e carinho e a certeza de dar a vida por um filho nosso se necessário, à parte, muito difícil, mais difícil se torna ser avó.

A alegria e simpatia de um povo


Na sequência  da passagem de ano, partimos em busca do primeiro local aberto e disponível para receber mais duas pessoas. No primeiro local que vimos com indicios de festa de fim de ano parámos e perguntámos se ainda aceitavam duas pessoas. A melhor resposta de boas vindas foi: "Até podiam ser 30. São sempre benvindos". Em 25 minutos limitámo-nos ao que restava do bufete: arroz e frango grelhado, e com muita dificuldade conseguimos estar a abrir a garrafa de champanhe as 00h00. Não tinham decorações caras, nem um bufete recheado de iguarias, nem um dj vindo da capital propositadamente para o efeito. Foi tudo feito com a "prata" da casa. A simpatia e a disponibilidade e cuidado em virem sempre junto de nós perguntar se estava tudo bem, se era necessário mais alguma coisa, cativou-nos e transformou aquele inicio de noite em algo mágico.
Na pista de dança, os casais ou aqueles que não precisavam de par, deslizavam na pista ao sabor da musica. Os mais velhos e garbosos da sua postura, mostraram aos mais novos como dançar uma kizomba e fazer a mulher deslizar na pista aceitando ser conduzida pelo macho. Os mais novos, em outros tipos de musica, como o Kuduro e house, mostraram como sabiam dançar. Fascinou-me em particular duas moça, com uma agilidade corporal e uma sintonia entre a musica e os movimentos corporais. Espectáculo lindo de se ver. Outros já atestados demais pela bebida, encaram os ritmos como quase danças tribais, onde os olhos se esvaziaram de tudo que não fosse um qualquer tipo de feitiço musical. Quando saímos, ainda era a noite uma criança para todos quantos lá ficaram, saimos de coração cheio e a sensação de que estamos mais cotas do que os cotas que lá ainda ficaram.
É isso que Angola tem de bom, de lindo, de mágico. Aquela sensação de nos abrirem a porta de casa e do coração, receberem-nos com alegria e com tristeza se despedirem de nós

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Quando a Passagem de Ano muda de hora

Com quatro dias de férias pela frente, uma Passagem de Ano para celebrar decidi rumar a outras paragens para mim ainda desconhecidas, embora com o coração na mão, com receio de o carro vir a reboque.
Voltei a Porto Amboim, até agora uma das minhas vilas de eleição, especialmente pela parte mais velha da cidade que a pouco e pouco se vai reconstruindo, com pouco comércio e uma marginal com alguns bons restaurantes. Foi num desses que tivemos o nosso penultimo almoço de 2016, rumando depois para sul até ao Sumbe. Ao fazer a descida que nos leva à cidade, vemos bastante pobreza, iluminada pela vista da baía. Do Sumbe, tirando a marginal que se encontra mais ou menos em bom estado, todas as ruas estão a necessitar de obras, penso que devido às enxurradas de águas pluviais que descem dos morros. Surpreende-me a forma como em todas as encostas se vê casas de capim e argila e as mesmas ou sofrem obras cada vez que chove ou demonstram ser mais resistentes que as estradas alcatroadas da cidade. A cidade em sim está munida de vários edifícios, alguns em construção de raiz, de serviços estatais.
Depois de procurar alojamento e escolhendo um junto ao mar na marginal, fomos em busca de um local onde celebrar a entrada num novo ano. Foi-nos aconselhado um restaurante bem perto do hotel. Ali tratámos de saber pormenores e ficámos a saber que a compra de ingressos só poderia ser feita no dia seguinte e que a festa começaria às 23 horas, com musica com várias caras de cartaz e churrasco de um boi.
No dia 31, começamos a ver chegar camiões com som e decorações, e durante o resto do dia ouvíamos a testagem do som. Às 23 horas, munidos dos bilhetes previamente comprados apresentamos na recepção do evento trajando de branco conforme era solicitado e foi nos informado que ainda não tinha começado, que estavam a acabar de arrumar as coisas. na recepção viam-se caixas e caixas de Cuca, Tigra, Sprit, pelo que inquiri se as bebidas eram para a festa pois aquela hora era de estranhar não estarem já arrumadas e a refrescar. Fui informada que eram apenas o reforço que as bebidas já estavam no gelo. Pediram que aguardasse mais 10 minutos que a festa já ia começar.
15 minutos depois, voltei à recepção e como tudo se mantinha na mesma acrescido ainda do facto de ver carros a chegar carregados de bancos e outros de sacos de gelo, pedi para chamar o responsável, pois queria a devolução dos valores que já havia pago e ia procurar outro local onde passar o ano.
Quando o dito responsável chegou pasmei com o que ouvi. As pessoas ainda não tinham chegado para a festa, que era mesmo assim, só la para as 2 ou 3 da manha é que iam chegar, que eu aguardasse, mostrou o boi a assar na brasa que ainda estava em sangue pelo que vestígios de jantar na próxima meia hora não me pareceu que acontecesse, que estava tudo a ser preparado e que se ia festejar, que eu aguardasse. Mostrei a minha revolta pois queria jantar mas mais do que isso queria celebrar a passagem do ano às 00h00 e fiquei pasma quando oiço o responsável diser que se iria festejar que se não fosse às 00h00 seria às 01h00 e foi atender outros clientes, indianos, que também reclamavam.
Neste entretanto e após alguma meditação aprendi pelo teor das conversas que ia ouvindo por parte dos responsáveis do evento que isto de querer celebrar mesmo às 00h00 era uma questão de cultura, portanto quem estava errada era eu. De tudo ainda que ouvi, cheguei à conclusão de que a malta de eventos de Luanda que não encontra espaço na capital para este tipo de celebrações decidi ir fazê-los para a provincia, achando-se os maiores por serem da capital, com um bruto som e tal e que os da provincia até deviam estar agradecidos pela sua presença pois estão a levar-lhes cultura, um evento magnifico que ficará para as páginas da história da cidade província. Assim sendo e estando eu em Luanda já a alguns anos, armei-me do mesmo tipo de armas que eles: fotografei a malta ainda a descarregar gelo e bancos, o convite, o local apenas com pessoal da empresa de eventos a arrumar as coisas e chamei novamente o responsável voltando a exigir a devolução dos valores por incumprimento do anunciado: festa com inicio às 23h00. No inicio recusou a devolução, mas quando falei que tinha estado a semana passada em reunião com o Director do Turismo em Luanda e que iria voltar a estar com ele, ( que me perdoe este Director que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente mas de quem já ouvi falar) muito renitente ordenou o reembolso das entradas. Partimos e no primeiro local que vimos engalanado para as celebração do Ano, parámos, fomos bem recebidos, ainda conseguimos jantar a correr e engolindo a ultima garfada de comida fomos a tempo de abrir a garrafa de champanhe quando anunciavam 2017!!!
O resto da noite será outra história, muito mais prazeirosa.